Loucas: reflexões sobre o dia das mulheres

Loucas: reflexões sobre o dia das mulheres

Certa mulher não gostava quando o marido esburacava a manteiga no café da manhã. O jeito certo, para ela, era raspar sempre uma fina camada do topo, para que ficasse fácil consumir o restante e deixar uma aparência melhor. Manteiga era coisa séria! Esquecer da regra e perfurar a barrinha amarela resultava em bronca certa e cara feia.

Ele achava que ela era louca por isso. Por que implicar com a manteiga?

Por outro lado, ele não se achava louco quando exigia veementemente que todos os ícones da área de trabalho do computador fossem agrupados em pastas. Nunca se achava doido por se incomodar de ter refrigerante servido em caneca. Também não me achava louco quando brigava porque ela misturava as facas de carne, de churrasco, de pão e de manteiga na gaveta.

Certa vez, ele fez questão de acompanhar uma amiga em uma exposição, quando então sua esposa disse estar com ciúmes da situação. Não havia motivo, pensou, pois ele é uma pessoa honesta e, afinal, era apenas uma amiga. Ao retornar do evento, a esposa estava bastante chateada, o que durou cerca de uma semana.

Ele achava que ela era louca por isso. Por que implicar com a amiga?

Por outro lado, não se achava louco quando não queria que ela fosse ao encontro dos amigos da faculdade sozinha. Nunca se achava doido quando ligava só para saber se ela estava mesmo onde havia dito que iria. Também não era louco quando entrava em seu perfil pessoal para encrencar com as mensagens que ela recebia no direct.

A contradição é óbvia, mas se repete todos os dias. Ao invés de entendê-las como pessoas normais em sua complexidade de sentimentos, variações humor, emoções e dilemas pessoais, os homens se limitam a rotular-nos repetidamente como loucas.

Mulher com ciúme? – É louca!

Mulher irritada? – Deixe de ser louca!

Mulher com manias? – Louca!

Mulher emotiva? – Louca!

Mulher insegura? – Loucura, mulherzisse!

Foi assim que eles aprenderam em casa, na TV, nos filmes, nos livros e até nos videogames: que uma mulher só não é louca se confiar plenamente nos homens, fizer todas as suas vontades e aceitar todos os seus desaforos.

Todos eles acreditaram um dia que as mulheres eram frágeis e precisavam de um homem para as proteger e cuidar. Acreditando nisso, eles nos tratam assim, como cavaleiros protegendo donzelas, só para depois descobrir que não estávamos felizes de estar em uma relação onde éramos tratadas como inferiores e dependentes. E então, novamente, eles nos acham loucas.

Os homens chamam tanto as mulheres de loucas que muitas se convencem disso. E eles usam isso contra nós. Quando dizem que nós somos loucas, estão fazendo muito mais do que ofender-nos, estão tirando nossa voz: com louco não se discute.

E quando chega o dia da mulher, os estabelecimentos ficam cheios de cor-de-rosa, a empresa vem dar flores e bombons, é parabéns por todos os lados… 8 de março não é aniversário das mulheres(!)… 8 de março é dia de falar sobre dignidade, sobre o nosso direito de ir e vir do jeito que a gente quiser; sobre igualdade salarial e mais um tanto de coisa que todo mundo já sabe, mas vive esquecendo (é uma loucura).

Imagina se a gente fosse falar sobre o prazer feminino no dia da mulher… “Ah, isso não pode, isso aí é tabu…” Tem mulher que não tem notícia do próprio prazer, que não sabe o que gosta no próprio corpo, porque as mulheres são reprimidas desde cedo e também existem poucos estudos sobre o prazer da mulher, mas sobre os deveres e obrigações das mulheres, não falta informação.

Se demonstramos emoções, somos chamadas de dramáticas. Se queremos enfrentar os homens, somos loucas. Se sonhamos com igualdade de oportunidades, estamos delirando. Quando nos posicionamos em qualquer coisa, estamos desequilibradas. Quando somos boas demais no que fazemos, tem algo de errado conosco. E quando ficamos com raiva, somos histéricas, irracionais ou estamos ficando loucas.

Mas, uma mulher querendo ter direito a voto foi loucura. Uma mulher lutando para cursar a faculdade, foi loucura. Uma mulher à frente de uma multinacional? Loucura. Dirigindo veículos (veículos pesados, aviões e navios)? Loucura. Uma mulher competindo à presidência de um país, mudando os costumes de sua época, realizando grandes conquistas, ganhando dois prêmios nobel, realizando os cálculos matemáticos que levaram o homem à lua, tendo um bebê (ou mais) e voltando pra mais? Louca, louca, louca, louca e louca!

Então se eles quiserem te chamar de louca, tudo bem. Mostre-lhes o que uma louca é capaz de fazer.

Uma mulher pode ser completamente assustadora para os homens justamente quando é uma mulher que pensa em si, em seus desejos, que deseja e não tem sua vida guiada pela aprovação masculina. Uma mulher que não tem seu lugar de ser sujeito atrelado a ser escolhida/vista/amada por um homem, tal qual aprendemos em nossa socialização feminina. Mulheres que percebem que sua vida não precisa se dar em torno/orbitando os homens e buscando por aprovação masculina. A fragilidade do feminino e a suposta força todo-poderosa masculina são criações que precisam ser derrubadas, assim como a criação fantasiosa de que alguém tem o falo e que ele carrega algum poder real.

O homem precisa amadurecer. E para um homem de verdade, amadurecer é mais do que perceber que se esburacar a manteiga incomoda a esposa, então seria gentil da sua parte se esforçar para evitar. É mais do que aprender que ignorar aquilo que incomoda os outros é rude e demonstra desprezo.

É mais do que perceber que os ciúmes dela não eram sobre ele, sobre sua amiga ou sobre seu caráter, mas sim sobre seus próprios sentimentos e necessidades que ele não buscava compreender.

Amadurecer é mais do que perceber que as mulheres não são frágeis e não precisam que ele as proteja.

O amadurecimento é perceber que ela nunca foi louca. Quem estava louco era ele.

Open chat
1
Precisa de Ajuda?
Olá👋
Em que posso te ajudar hoje?
Share via
Copy link